A perda de sacralidade na Eucaristia: a mensagem de uma Igreja morna

A perda de sacralidade na Eucaristia: a mensagem de uma Igreja morna

Que um intelectual abertamente ateu como Juan José Millás escreva em El País uma coluna reconhecendo, ainda que com ironia, a magnitude ontológica do milagre eucarístico deveria provocar algo mais do que um sorriso envergonhado no mundo católico. Deveria nos obrigar a parar e nos perguntar o que está falhando quando até um observador externo detecta uma dissonância profunda entre o que a Igreja afirma crer e a maneira como esse mistério é vivido —ou trivializado— na prática.

Millás não escreve como crente nem pretende sê-lo. Precisamente por isso, seu diagnóstico resulta tão revelador. Parte de uma premissa doutrinal correta: a Igreja ensina que na consagração se produz uma mudança real, literal, substancial. Não simbólica. Não metafórica. Um milagre de primeira ordem. E, no entanto, constata algo que qualquer um pode verificar: a cena habitual de muitas celebrações litúrgicas não reflete nem remotamente a transcendência do que ali acontece. Gestos cansados, distração generalizada, rotina. Como se nada de extraordinário estivesse ocorrendo.

A pergunta que formula —com sarcasmo, mas com lógica— é demolidora: se realmente cremos no que dizemos crer, por que não agimos em conformidade? Por que não há tremor, assombro, temor reverencial? Por que o altar não parece uma zona sagrada, separada, custodiada?

Aqui é onde a observação externa se converte em acusação interna. Não é o ateu quem banaliza o mistério. Somos nós. Ou, pelo menos, uma forma de viver a liturgia que tem erodido progressivamente o sentido do sagrado até torná-lo quase invisível.

Não se trata de exigir teatralidade nem histeria religiosa. Trata-se de coerência. A Igreja sempre soube que o mistério exige custódia. Durante séculos, tanto no Oriente como no Ocidente, desenvolveram-se formas concretas de proteger o sagrado: separação do presbitério, gestos precisos, silêncio, véus, sinais de distância. Não por desprezo ao povo, mas por consciência do mistério.

No Ocidente, essa consciência foi se debilitando. E o que se perdeu não foi proximidade, mas assombro. Não foi participação, mas reverência. Quando tudo se mostra, tudo se banaliza. Quando nada se protege, nada se venera.

Por isso resulta significativo —e preocupante— que seja um não crente quem aponte a incoerência, porque percebe uma fissura evidente: uma Igreja que proclama o maior dos milagres e o celebra como se fosse um trâmite.

O problema não é que o mundo não creia na Eucaristia. O problema é que muitas vezes não parece que a própria Igreja creia de verdade no que custodia. E quando o mistério deixa de estruturar a liturgia, termina por diluir também a fé.

Talvez esta seja uma dessas ocasiões em que convém escutar até quem fala de fora. Para reconhecer que a rachadura é tão visível que já não passa despercebida. Quando até os ateus percebem a contradição, é sinal de que algo essencial precisa ser corrigido.

A pergunta final não é retórica: queremos continuar explicando o mistério ou voltar a nos ajoelharmos diante dele? Porque a fé não se sustenta só com palavras corretas, mas com gestos que as tornem críveis.

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