Da luz e da escuridão

Da luz e da escuridão

Por Robert Royal

Ontem foi o solstício de inverno, o momento em que, devido às variações na maneira como a Terra orbita ao redor do Sol, a noite é mais longa, «o dia mais escuro do ano». (Também é meu aniversário e, para alguns que me seguiram ao longo dos anos, suspeito que um dia escuro em um sentido mais do que astronômico). Talvez por esse acidente de nascimento, sempre me impressionou a linha do Gênesis: «E disse Deus: haja luz, e a luz houve». Mesmo, em meus vacilantes esforços para aprender hebraico bíblico, memorizei o original: וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים, יְהִי אוֹר; וַיְהִי-אוֹר. Vayomer Elohim yehi or, vayehi or. Antes disso (se é que essa é a forma correta de dizê-lo, já que o tempo ainda não foi criado), Deus se prepara para lançar o lançamento, por assim dizer. E o faz no que segue: «Viu Deus que a luz era boa, e separou a luz das trevas».

Muitas coisas dependem dessa divisão, embora —como veremos mais adiante— não, em última instância, no sentido que alguém poderia pensar. De certo modo, não é uma surpresa que tenha sido um cientista judeu, Albert Einstein, quem descobriu pela primeira vez o papel fundamental da luz na criação. Nada pode superar a velocidade da luz em nosso universo. As crenças religiosas pessoais de Einstein são objeto de debate, mas é inteiramente acidental que alguém impregnado da tradição judaica pudesse ter chegado a essa verdade?

Toda essa tradição nos acompanha profundamente nesta estação. O nascimento de uma criança é —ou sempre deveria ser— motivo de celebração. Mas que essa Criança tenha entrado em nosso mundo em torno de seus dias mais escuros é, sem dúvida, algo mais do que uma coincidência. Hoje as pessoas tendem a descartar tais reflexões como «medievais». Mas, como ocorre com muitas das paradoxos da fé, a escuridão não é incidental nem meramente simbólica nem mesmo —voltaremos a isso— algo que se deixa para trás. Em um sentido profundo, a escuridão é também a razão da estação. A luz seria tão importante sem ela?

Se pensarmos bem, por que Jesus nasceu à noite? Só o sabemos porque o bom Lucas inclui esse detalhe: «Havia uns pastores naquela região que viviam ao ar livre e velavam por turno durante a noite sobre seu rebanho» (Lc 2,8). É apropriado, porque a tradição profética judaica sugere que a noite é a realidade cotidiana em que nos encontramos.

Na Messiah de Handel, que você deveria se propor a ouvir todo ano nesta época tanto para seu prazer como para sua edificação, ouvirá muito sobre a glória de Deus e sobre como devemos lhe dar graças por nos ter redimido. «O povo que andava em trevas viu uma grande luz» (Is 9,2). E por que estava sentado em trevas?

Em uma interpretação ao vivo na semana passada, a seção que mais impactou foi «E quem poderá resistir ao dia de sua vinda?», que Handel tomou do profeta Malaquias (3,2). Alguém pensaria que, depois de tanta escuridão e sofrimento no mundo, todos estaríamos encantados de vê-lo. Mas o mundo turvo que o pecado original e os pecados pessoais têm colocado sobre nós —e ao qual estamos tão apegados— é um mundo ao qual não renunciamos facilmente. A tradição cristã nos lembra que muitos temerão a Segunda Vinda de Cristo. Mesmo em sua Primeira Vinda houve quem, como Herodes e mais tarde os fariseus e saduceus, não precisamente saltaram de alegria ao vê-lo.

Gostamos do Natal tal como se tornou agora, por razões evidentes: presentes, festas, comida, bebidas (católicas), família, amigos, bom humor, canções natalinas e pelo menos gestos mínimos de boa vontade para com os homens. Mesmo um secularista, deixando de lado o comercialismo rampante, pode encontrar tudo isso como um bem-vindo respiro diante da dureza do cotidiano. Tudo é bastante dickensiano. Mas para um cristão, a dureza vai muito mais fundo. E por isso a alegria é tanto maior.

E no entanto, no final, talvez devamos dizer uma boa palavra em favor da escuridão. A escuridão que nos rodeia e a que levamos dentro em nossa existência terrena é, à sua maneira, parte da misericórdia de Deus. Como todas as provações e tribulações que brotam do pecado, tal como vemos na Escritura, a escuridão é um estímulo para buscar a luz. Na Páscoa vemos por que esta Criança é uma grande luz. Enquanto tanto, se não tomamos plena medida da escuridão em nós e ao nosso redor, e de por que precisamos de algo que nos ilumine de fora de nós mesmos, a celebração não é mais do que outra festa.

Mas há ainda mais. Um dos maiores místicos cristãos, são João da Cruz, escreveu A noite escura da alma, que adota a forma de um poema e um comentário ao poema. Entendida como parte de uma disciplina espiritual, a escuridão pode ser uma espécie de porta que conduz ao que precedeu mesmo à criação da luz, isto é, ao próprio Criador. Como escreve são João:

Em uma noite escura,
com ansias, em amores inflamada,
¡oh dichosa ventura!,
saí sem ser notada,
estando já minha casa sosegada. . . .

¡Oh noite que guiaste!
¡Oh noite amable mais que o alborada!
¡Oh noite que juntaste
Amado com amada,
amada no Amado transformada!

No final, mesmo a escuridão não é apenas escuridão para Deus, mas o Ser original e o silêncio contemplativo ao qual agora podemos chegar, talvez só através da poesia.

Como faz dizer Charles Péguy a Deus:

Oh doce, oh grande, oh santa, oh bela noite, talvez a mais santa de minhas
filhas, noite do longo vestido, do vestido de estrelas.
Tu me recordas aquele grande silêncio que havia no mundo
antes do começo do reinado do homem.
Tu me anuncias o grande silêncio que haverá
depois do fim do reinado do homem, quando eu houver retomado meu cetro.
E às vezes o espero com ansiedade, porque o homem realmente faz muito barulho.

 

Sobre o autor

Robert Royal é editor-chefe de The Catholic Thing e presidente do Faith & Reason Institute em Washington, D. C. Seus livros mais recentes são The Martyrs of the New Millennium: The Global Persecution of Christians in the Twenty-First Century, Columbus and the Crisis of the West  y A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century.

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