França intensifica os controles sobre docentes e escolas católicas

França intensifica os controles sobre docentes e escolas católicas

As autoridades educacionais francesas intensificaram nos últimos meses os controlos sobre os centros privados concertados, na sua maioria católicos, num contexto marcado pelo escândalo de abusos no internato de Notre-Dame de Bétharram. No entanto, esta ofensiva inspectora gerou uma crescente polémica pelos métodos empregados e pelo que diversos responsáveis do sector qualificam como extralimitações ideológicas por parte da administração.

O secretário-geral do Ensino Católico em França, Guillaume Prévost, denunciou publicamente que numerosas inspeções académicas derivaram em abusos de autoridade, práticas intimidatórias e violações do quadro legal que regula o ensino privado concertado. Prévost expôs estas preocupações perante a Comissão de Assuntos Culturais e de Educação da Assembleia Nacional, reclamando inclusive a criação de uma missão parlamentar que investigue estas atuações, segundo relata Le Parisien.

Controlos reforçados após o caso Bétharram

O endurecimento dos controlos foi anunciado pelo Governo francês após saírem a público os graves abusos cometidos durante décadas no internato católico de Bétharram, um caso que chocou a opinião pública e pôs em causa os mecanismos de supervisão do Estado. A primeira-ministra Élisabeth Borne anunciou então um plano para inspecionar o 40 % dos 7.500 centros privados concertados num prazo de dois anos, uma medida confirmada posteriormente pelo Ministério da Educação.

O ministro da Educação, Édouard Geffray, indicou que até finais de 2025 já se teriam realizado cerca de 1.000 inspeções, justificando esta política como uma forma de garantir a proteção dos alunos e o correto uso dos fundos públicos. Não obstante, recordou que estes centros, embora sujeitos ao currículo oficial e aos princípios de laicidade do Estado, conservam legalmente um “caráter próprio”, tal como estabelece a lei Debré.

Denúncias de interrogatórios ilegais e pressões ideológicas

Segundo denunciou Prévost, e como relata o portal oficial Enseignement-Catholique, várias inspeções teriam ultrapassado claramente esse quadro legal. Entre os factos documentados figuram interrogatórios a alunos menores sem presença de adultos, perguntas diretas sobre a religião das famílias — algo expressamente proibido — e registos de mochilas e material escolar.

Em outros casos, inspetores teriam exigido a retirada de símbolos religiosos, questionado atividades pastorais voluntárias ou submetido os docentes a interrogatórios reiterados sobre práticas religiosas permitidas pela lei. Um relatório interno do Ensino Católico, citado por Famille Chrétienne, fala de “métodos abusivos, arbitrários e geradores de ansiedade” e de uma “suspeita sistemática em relação à identidade cristã dos estabelecimentos”.

“Sob a cobertura da proteção infantil, está-se a defender na realidade uma visão ideológica da escola que põe em causa a liberdade de ensino”, afirmou Prévost, em declarações recolhidas por Aleteia. O responsável católico alertou para um desgaste crescente do pessoal directivo, indicando que um número significativo de diretores estaria a considerar abandonar os seus cargos perante a pressão administrativa.

Reação do Ministério e divisão sindical

Após a comparecência de Prévost e a difusão do relatório, o Ministério da Educação reconheceu publicamente a existência de possíveis “desvios” e anunciou o envio de instruções firmes aos reitores para recordar os limites legais das inspeções. Num comunicado citado por Le Parisien, o ministério sublinhou que “fica totalmente excluído” qualquer interrogatório destinado a conhecer a confissão religiosa dos alunos.

Não obstante, a reação sindical tem sido desigual. Enquanto organizações ligadas ao ensino católico, como o Synep-CGC, apoiam as denúncias e reclamam controlos justos e proporcionados, sindicatos laicos como o SE-Unsa acusam o Ensino Católico de exagerar a situação e de tentar desacreditar um processo necessário de supervisão, segundo informou La Croix.

Um novo choque entre laicidade e liberdade educativa

O conflito mostra um debate de fundo entre a laicidade do Estado e a liberdade de educação das instituições com ideário próprio na sociedade francesa. A hierarquia católica apoia a postura de Prévost e defende que cumprir a lei não implica renunciar à identidade cristã que define o seu projeto educativo.

“Celebramos a transparência e os controlos legítimos, mas não aceitaremos que se apague a nossa identidade nem que se humilhe os nossos docentes”, afirmou Prévost a Famille Chrétienne. O Ensino Católico insiste em que a imensa maioria dos seus centros cumpre escrupulosamente a normativa e que não se pode justificar uma estigmatização generalizada do sector.

À espera de que as instruções do Ministério se traduzam em mudanças reais no terreno, o episódio confirma uma tendência crescente do uso do controlo administrativo como ferramenta de pressão ideológica, com o risco de esvaziar de conteúdo a liberdade educativa que a própria legislação francesa diz proteger.

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