A difusão por parte da Infovaticana de um áudio no qual Jordi Bertomeu revela práticas impróprias no procedimento canônico do Sodalício teve um efeito imediato: nervosismo, acusações infundadas e uma campanha para apresentar qualquer crítica como parte de uma conspiração internacional.
Na realidade, o que ocorreu é mais simples: manifestou-se que um dos casos canônicos e mercantis mais relevantes dos últimos anos está sendo gerenciado com improvisação, temor ao escrutínio público e uma abordagem jurídica muito deficiente.
Convém, portanto, baixar o volume do ruído e tentar elevar o nível da análise do caso Sodalício, onde a estratégia jurídico-midiática do liquidante Bertomeu, como oficial vaticano, vem gerando uma confusão difícil de seguir.
1. O desprezo incompreensível pelas vítimas do caso “Lute”
Um dos comportamentos mais desconcertantes de Paola Ugaz, Pedro Salinas e daqueles que orbitam em torno de sua narrativa —incluindo Jordi Bertomeu— é enturbiar o caso Sodalício com a insistência em desacreditar, minimizar ou apresentar como manipuladas as vítimas do sacerdote diocesano de Chiclayo conhecido como “Lute”, às quais ninguém chamou para este caso e que resultam absurdamente envolvidas em algo que lhes é totalmente alheio. Atenção, é preciso ter muito mais respeito e cuidado com as vítimas de abusos e esses porta-vozes deveriam repensar muito seriamente como estão tratando o caso Lute, porque entram em um assédio que pode acarretar consequências penais.
Não estamos diante de uma questão acessória nem de um conflito interpretativo: falamos de menores de nove anos transferidas para uma estadia na serra, isoladas e submetidas a abusos que incluíram nudez e contato genital sexual. Existem indícios sólidos de que poderia haver mais vítimas que não foram investigadas porque as pesquisas eclesiásticas se fecharam com uma rapidez e métodos incriminatórios.
A pergunta é inevitável: que necessidade têm esses comunicadores de entrar em uma batalha contra vítimas que só pedem transparência em seu caso?
Os defensores da causa do Sodalício —que sim contém elementos de clara responsabilidade moral e patrimonial— deveriam compreender que nada desacredita mais uma reivindicação legítima do que desprezar outras vítimas mais vulneráveis que não fazem parte de sua agenda narrativa.
O testemunho de Ana María Quispe, sereno, coerente e sem traço de alinhamento ideológico, é um exemplo evidente. Atacá-la não só é injusto: é torpe. Destrói credibilidade. E deixa em evidência uma obsessão por controlar a narrativa mesmo ao preço de passar por cima de quem sofreu abusos atrozes.
É difícil identificar um erro moral e estratégico mais grave que este.
2. Um caso mercantil que requeria juristas experts, não ativismo midiático
O núcleo do caso mercantil do Sodalício aponta possíveis estruturas jurídicas simuladas, órgãos de governo apresentados como autônomos que na realidade respondiam à estrutura sodálite e movimentos patrimoniais que poderiam constituir um levantamento de bens através de associações de fachada.
Isso, para qualquer jurista minimamente formado, é um campo onde intervêm o levantamento do véu societário, a identificação de administradores de fato, a análise de simulação contratual e o rastreamento de decisões reais além das formas documentais.
No entanto, longe de abrir um debate jurídico sério, optou-se por uma estratégia baseada em simplificações infantis, descalificações e um matonismo midiático que nos fala de supostas conspirações que não são tal.
A chabacanería de algumas declarações públicas, unida à incapacidade para apresentar um marco legal coerente, revela um problema de base: os principais porta-vozes do caso Sodalício não entendem os mecanismos jurídicos necessários para desarticular estruturas patrimoniais complexas.
Insiste-se em que o Sodalício teria operado com empresas de fachada. Deveria estar-se falando de relatórios periciais, de estudos de vinculação societária, de análises de fluxos econômicos. Onde está a argumentação canônica coordenada com a civil para determinar a relação entre pessoas jurídicas eclesiásticas e suas extensões mercantis?
Não existe. E não existe porque quem lidera publicamente a causa são jornalistas e um funcionário eclesial que, por formação e experiência, não estão preparados para uma investigação patrimonial internacional.
A consequência é clara: o caso se dilui em ruído, ataques pessoais e narrativas conspirativas, enquanto quem projetou as estruturas jurídicas paralelas e simuladas segue sem ser confrontado com um expediente sólido.
A justiça não avança a golpe de manchetes nem de artigos de opinião, mas com trabalho técnico, documentos, perícias e Direito aplicado com rigor.
3. O problema Bertomeu: um gestor jurídico e comunicacional de baixo nível
O áudio revelado pela Infovaticana pôs em evidência algo que muitos no âmbito canônico intuíam: Jordi Bertomeu carece da solidez profissional necessária para gerenciar um caso de tal envergadura.
Sua aproximação à liquidação do Sodalício é superficial, fragmentária e marcada por uma compreensão limitada do funcionamento de estruturas societárias complexas.
A abordagem que aplica é mais própria de uma instrução leve de delitos morais que de uma investigação patrimonial internacional.
A ausência de um modelo integral de atuação, de uma equipe de juristas de alto nível e de uma estratégia probatória demonstra que o caso, nas mãos de Bertomeu, está condenado à mediocridade e ao barro, sem que pareça que ao tortosino lhe importe que salpique ao próprio Papa.
Comportamento comunicacional errático
A isso se adiciona sua evidente dificuldade para gerenciar a comunicação pública.
Quando se menciona Bertomeu em um meio, entra em uma espiral de pânico: pede artigos laudatórios, busca blindagens midiáticas, mistura temas sem relação, envolve o Papa sem necessidade e chega a apontar vítimas de outros casos, como se fossem peças de um relato conspirativo.
Uma pessoa nesse estado de tensão e falta de autocontrole não deveria dirigir um processo canônico dessas características.
Em vez de construir um caso, Bertomeu constrói um relato. E o constrói mal. Não é equilíbrio profissional o que demonstra, mas fragilidade.
O ruído beneficia os verdadeiros responsáveis
Enquanto jornalistas e funcionários eclesiais convertem o caso em um campo de batalha midiático delirante, quem se beneficia das estruturas patrimoniais paralelas do Sodalício observa o espetáculo.
A causa se esvazia de conteúdo jurídico, se politiza em excesso e se rodeia de uma narrativa emocional que afoga a busca objetiva da verdade.
O caso Sodalício —tanto em sua dimensão moral como na patrimonial e canônica— exige juristas experts com autoridade técnica, uma estratégia probatória sólida, um marco canônico bem articulado e uma comunicação transparente, não histérica. Enquanto isso não ocorrer, os únicos prejudicados serão as vítimas e a própria Igreja. E os únicos beneficiados, quem projetou uma estrutura que, até agora, sobreviveu graças à incompetência de quem diz lutar contra ela.
