O Governo do Canadá prepara-se para eliminar as isenções religiosas das leis nacionais sobre “discurso de ódio”, em um movimento legislativo que endurece o quadro penal em torno da expressão pública e das convicções morais ligadas à fé.
De acordo com o National Catholic Register, a medida surge de um acordo entre o Partido Liberal do Canadá, que lidera o Governo, e o Bloc Québécois, que agora apoiará a supressão das proteções legais que isentam pessoas cujas opiniões se baseavam em uma doutrina religiosa ou em um texto sagrado.
Atualmente, a legislação canadense proíbe “incitar o ódio contra um grupo identificável”, mas permitia justificar uma opinião quando baseada em crenças religiosas. Essa cláusula está prestes a desaparecer.
Uma mudança legal negociada em segredo
O National Post informou em 1º de dezembro que a eliminação das isenções aparecerá em uma próxima emenda legislativa. O jornal citou uma “fonte governamental de alto nível” que confirmou que “o projeto de lei está em um ponto em que todos estão satisfeitos”, o que indica que o acordo político foi fechado longe do escrutínio público.
A reforma também eliminaría a obrigação de que o procurador-geral aprove os processos penais relacionados com “crimes de propaganda de ódio”, um passo que, segundo críticos da oposição, suprime um importante contrapeso institucional.
Crescem os crimes de ódio, mas a medida visa cortar liberdades
O Governo justifica a reforma aludindo ao aumento recente de crimes de ódio, especialmente contra a comunidade judaica. Dados citados pela B’nai Brith Canada apontam um aumento drástico de incidentes antissemitas após o ataque do Hamás em 7 de outubro de 2023 e um repique adicional durante 2024.
O projeto legislativo também proibirá explicitamente exibir a suástica nazista e o símbolo das SS, iconografia utilizada em ataques contra judeus. Os conservadores, no entanto, enfatizam que essas ações já são ilegais e alertam de que a reforma serve mais para baixar o limiar legal de “ódio” do que para combater o antissemitismo.
O texto redefine “ódio” como “uma emoção de detestação ou vilipêndio mais forte que o desdém ou o desgosto”, um conceito que —segundo a oposição— abre a porta para perseguir opiniões legítimas, incluindo as religiosas.
A oposição denuncia uma ameaça direta à liberdade religiosa
O Partido Conservador rejeita a reforma, defendendo que a eliminação do procurador-geral enfraquece as garantias processuais e criticando o que consideram um ataque direto à liberdade de consciência e expressão.
Nesse contexto, também ergueram a voz organizações cristãs. A Christian Legal Fellowship, sediada em Ontário, pediu em outubro para manter as proteções religiosas, alegando que essas defesas estão “em linha com os princípios de justiça e igualdade” que sustentam a luta contra a discriminação. O grupo alertou que sua eliminação “colocaria em risco a integridade constitucional” da lei.
Um clima crescente de desconfiança em relação ao religioso no Canadá
O debate não surge no vácuo. Nos últimos anos, o Canadá experimentou uma série de iniciativas políticas que geraram preocupação entre líderes cristãos, o Arcebispo de Montreal, Christian Lépine, advertiu em setembro sobre a proposta do Governo de Quebec de proibir a oração em lugares públicos, señalando que impedir a oração seria “como proibir o pensamento mesmo”. Anteriormente, em dezembro de 2024, um comitê da Câmara dos Comuns sugeriu eliminar o “fomento da religião” da lista de fins beneficentes reconhecidos pelo Estado, uma medida considerada uma ameaça direta à liberdade religiosa e ao papel social das comunidades de fé.
Enquanto isso, o censo de 2021 revelou que a população católica do país caiu em quase dois milhões na última década, reflexo de um processo de secularização acelerado.
Uma virada legislativa que poderia redefinir o espaço público
A possível eliminação das proteções religiosas abre um cenário inquietante: cidadãos, pastores, professores, médicos ou líderes comunitários poderiam enfrentar sanções por expressar convicções tradicionais sobre a fé, a moral ou a antropologia humana.
A reforma pretende frear símbolos de ódio historicamente associados ao nazismo, mas seus efeitos colaterais poderiam impactar diretamente aqueles que baseiam suas opiniões na doutrina cristã. A linha entre combater a violência e censurar a consciência poderia se tornar mais difusa do que nunca.
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