A presença do papa Leão XIV na Divina Liturgia celebrada junto ao patriarca ecumênico Bartolomeu I reafirmou publicamente o compromisso de Roma com a unidade cristã, em um contexto marcado por tensões geopolíticas tanto no Oriente quanto no Ocidente. O gesto evidenciou a vontade de manter um canal de diálogo entre as duas grandes tradições cristãs.
Durante sua homilia, o patriarca Bartolomeu sublinhou a “unidade espiritual” entre ambas as Igrejas, apontando os apóstolos Pedro e André como fundamentos apostólicos de Roma e Constantinopla. No entanto, reconheceu os graves obstáculos teológicos que continuam bloqueando a plena comunhão.
Bartolomeu identificou o filioque e a infalibilidade papal como “obstáculos” que devem ser resolvidos para avançar na unidade. O filioque expressa a doutrina ocidental de que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, enquanto a infalibilidade refere-se ao dogma católico que preserva o Papa do erro ao definir solenemente uma doutrina de fé ou moral.
Diante de uma catedral lotada, o papa Leão XIV descreveu as últimas seis décadas de diálogo como “um caminho de reconciliação, paz e crescente comunhão”, lembrando que a unidade continua sendo “uma prioridade do meu ministério como bispo de Roma”.
Após a liturgia, o Papa e o Patriarca abençoaram os fiéis do balcão, acompanhados pelo patriarca Teodoro II de Alexandria. Bartolomeu esteve ao lado de Leão XIV na maioria dos atos, incluindo o encontro com o presidente Erdoğan, as comemorações em Niceia e a missa com as comunidades católicas da Turquia.
O levantamento mútuo dos anátemas em 1965 abriu a etapa de diálogo que continua hoje sob a Comissão Mista Internacional. Embora o processo tenha desacelerado por divisões internas dentro da Ortodoxia, ambos os líderes reafirmaram sua determinação em sustentá-lo.
No entanto, como aponta The Catholic Herald, a homilia do patriarca introduziu uma expectativa clara: que Roma seja a parte que realize as concessões doutrinais necessárias para restabelecer a comunhão. Ao apresentar o filioque e a infalibilidade como os principais obstáculos, Bartolomeu projetou a responsabilidade do cisma sobre a Igreja católica.
Embora a Santa Sé tenha mostrado certa abertura litúrgica em relação ao filioque, a infalibilidade pontifícia —definida solenemente no Concílio Vaticano I— não é negociável. Não pode ser reinterpretada como uma variante cultural nem diluída sem afetar a eclesiologia católica em seu núcleo.
O patriarca advertiu que a unidade não deve se tornar “absorção ou dominação”, refletindo a preocupação ortodoxa com um universalismo doutrinal que poderia diluir a identidade de suas Igrejas locais.
A questão decisiva continua sendo se o diálogo católico-ortodoxo pode avançar sem exigir que uma das partes renuncie a doutrinas que define como essenciais para sua identidade apostólica. A unidade cristã não pode ser edificada sobre a renúncia a verdades definidas por concílios ecumênicos. A proximidade abre portas; a doutrina continua sendo a chave.
Deixamos a seguir as palavras completas de Bartolomeu I pronunciadas na Divina Liturgia em 30 de novembro de 2025:
Sua Santidade, Amado Irmão em Cristo, Papa Leão:
Com sentimentos de sincera alegria e ação de graças, damos-lhe novamente hoje as boas-vindas a este centro sagrado da Ortodoxia, assim como o Patriarca Ecumênico Atenágoras recebeu o papa Paulo VI, como o Patriarca Ecumênico Demétrio recebeu o papa João Paulo II, e como nossa Modéstia deu as boas-vindas a Seus ilustres predecessores Bento XVI e Francisco. Hoje, recebemos a Vós, por sua vez, na venerável Igreja Patriarcal de São Jorge, onde celebramos a Divina Liturgia por ocasião da festa do santo apóstolo André, o Primeiro Chamado; durante a qual ouvimos a leitura do Evangelho que recorda a vocação dos dois irmãos André e Pedro, os primeiros apóstolos de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Como relata o santo apóstol e evangelista João, o Teólogo, André foi um dos dois discípulos de são João, o Precursor, que lhes indicou Jesus Cristo, dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus!”. André não só o seguiu imediatamente, mas também encontrou seu irmão Simão, dizendo-lhe: “Encontramos o Messias”, e o levou ao Senhor, que declarou: “Tu és Simão? Tu serás chamado Cefas-Pedro” (Jo 1,35-42). Assim, por meio desse chamado, os dois irmãos deixaram suas redes à beira do mar da Galileia para se tornarem pescadores de homens, lançando as redes da Igreja mediante a pregação da Boa Nova da salvação até os confins da terra.
Neste dia solene de jubileu, não nos reúne apenas a memória do Primeiro Chamado dos Apóstolos, mas também a presença entre nós das preciosas e santas relíquias dos dois irmãos apóstolos, que nos foram generosamente oferecidas por seus predecessores. Além disso, não podemos ignorar que o ícone do beijo dos santos Pedro e André se tornou, durante mais de meio século, o símbolo de nossa peregrinação compartilhada rumo à unidade cristã, recordando constantemente ao mundo que “encontramos o Messias”.
Como sucessores dos dois santos apóstolos, os fundadores de nossas respectivas Igrejas, sentimos-nos unidos por laços de fraternidade espiritual, que nos obrigam a trabalhar com diligência para proclamar a mensagem de salvação ao mundo. Sua bendita visita de hoje, da mesma forma que a troca de delegações de nossas Igrejas por ocasião de nossas respectivas festas patronais, não pode ser reduzida a atos de mero protocolo, mas, pelo contrário, expressa de maneira muito concreta e pessoal nosso profundo compromisso com a busca da unidade cristã e nossa sincera aspiração à restauração da plena comunhão eclesial.
Isso foi possível há 60 anos mediante o levantamento dos anátemas do ano 1054 entre Roma e Constantinopla, em 7 de dezembro de 1965. Na respectiva Declaração Conjunta, o papa Paulo VI e o Patriarca Ecumênico Atenágoras proclamaram sua convicção comum de que estavam “respondendo ao chamado da graça divina, que hoje está conduzindo a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa, assim como a todos os cristãos, a superar suas diferenças para serem novamente ‘um’, como o Senhor Jesus pediu a seu Pai por eles” (Declaração Conjunta, 1).
Assim, este acontecimento histórico, após o “inverno” de divisões, pode com razão ser chamado de uma “primavera” espiritual para nossas Igrejas, inaugurando um novo capítulo em nossas relações mútuas, buscando novamente superar nossas diferenças do passado. Como se afirmou então: “pela ação do Espírito Santo essas diferenças serão superadas mediante a purificação dos corações, mediante o arrependimento pelos erros históricos, e mediante uma firme determinação de chegar a uma compreensão e expressão comuns da fé dos Apóstolos e de suas exigências” (Declaração Conjunta, 5).
A fidelidade à fé apostólica é precisamente o significado da celebração este ano do 1700º aniversário do Primeiro Concílio Ecumênico de Niceia, com o qual sua visita também coincide. Portanto, é neste espírito que nossa peregrinação conjunta de anteontem a este local histórico da cristandade, junto com Sua Beatitude o Papa e Patriarca Teodoro de Alexandria e os representantes oficiais de Suas Beatitudes, os Patriarcas João de Antioquia e Teófilo de Jerusalém, com quem concelebramos hoje a Divina Liturgia, não pode de maneira alguma ser reduzida a um interesse por um acontecimento passado. O Símbolo da Fé promulgado pelo Concílio de Niceia revela-se uma confissão de fé que transcende o espaço e o tempo, reafirmando a fé da Igreja recebida dos Apóstolos. “Há um só Corpo e um só Espírito, como também vocês foram chamados a uma só esperança em sua vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que está sobre todos, atua por meio de todos e está em todos” (Ef 4,4-6), como é o lema de sua Viagem Apostólica.
Inspirado divinamente pela ação do Espírito Santo, o Primeiro Concílio Ecumênico de Niceia fortaleceu a unidade eclesial. Como atesta um dos protagonistas do Concílio, são Atanásio de Alexandria, em sua carta aos bispos da África, o Concílio de Niceia foi convocado pelo imperador Constantino principalmente para resolver a divisão causada dentro da Igreja pela heresia ariana e para decidir uma data comum para a celebração anual da Páscoa, a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, fundamento de nossa fé (PG 26, 1032CD). De fato, “se Cristo não ressuscitou, vã é nossa pregação e vã é também sua fé” (1 Cor 15,14). E o Primeiro Concílio Ecumênico continua sendo o fundamento em nossa busca pela unidade cristã hoje. Seu Símbolo da Fé, seus cânones e suas decisões, especialmente a referente ao estabelecimento de critérios comuns para calcular uma data comum da Páscoa, constituem o patrimônio de toda a cristandade, e é apenas aprofundando nessa rica herança que os cristãos divididos se aproximarão uns dos outros e alcançarão a tão desejada unidade.
Como nos recordou o Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa (Creta, junho de 2016), “a responsabilidade da Igreja Ortodoxa pela unidade, assim como sua missão ecumênica, foram articuladas pelos Concílios Ecumênicos. Estes sublinharam especialmente o vínculo indissolúvel entre a verdadeira fé e a comunhão sacramental” (Relações da Igreja Ortodoxa com o resto do mundo cristão, 3). Também sublinhou que a fé no Deus Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, e no único Senhor Jesus Cristo como Deus e Salvador conforme às Escrituras e ao Credo Niceno-Constantinopolitano, é o critério essencial para o compromisso da Igreja Ortodoxa no Movimento Ecumênico, sua pertença ao Conselho Mundial de Igrejas e à Conferência de Igrejas Europeias, assim como sua participação em diálogos teológicos bilaterais e multilaterais (cf. ibid., 19).
Ao celebrar estes benditos aniversários, alegramo-nos de que o levantamento dos anátemas, que inaugurou um diálogo de amor, tenha conduzido ao diálogo da verdade realizado principalmente pela Comissão Mista Internacional para o diálogo teológico entre nossas duas Igrejas irmãs, estabelecida por nossos predecessores o papa João Paulo II e o Patriarca Ecumênico Demétrio. O trabalho realizado durante os últimos 45 anos, que começou examinando o que compartilhamos em comum, cultivou um espírito de fraternidade e desenvolveu uma confiança e compreensão mútuas, e permite que nossas Igrejas, neste momento crítico da história, abordem os temas espinhosos do passado para superá-los e nos guiar rumo à restauração da plena comunhão.
É notável que a reflexão sobre a sinodalidade e o primado empreendida nos últimos anos dentro da Comissão tenha se demonstrado uma fonte de inspiração e renovação não apenas para nossas Igrejas irmãs, mas também para o resto do mundo cristão. Só podemos rezar para que questões como o “filioque” e a infalibilidade, que a Comissão está examinando atualmente, sejam resolvidas de modo que sua compreensão já não sirva como obstáculos para a comunhão de nossas Igrejas.
No final, a unidade cristã não é um luxo. É a oração suprema de nosso Senhor Jesus Cristo: “que…todos sejam um” (Jo 17,21), e também a condição essencial para a missão da Igreja. A unidade cristã é um imperativo, especialmente em nossos tempos tumultuosos, quando o mundo está fraturado por guerras, violência e todo tipo de discriminação, enquanto é devastado pelo desejo de dominação, a busca pelo lucro e a exploração desenfreada dos recursos naturais.
Diante de tanto sofrimento, toda a criação, que “geme” (Rm 8,22), espera uma mensagem unificada de esperança por parte dos cristãos que condene inequivocamente a guerra e a violência, que defenda a dignidade humana e que respeite e cuide da criação de Deus. Não podemos ser cúmplices do sangue derramado na Ucrânia e em outras partes do mundo, nem permanecer em silêncio diante do êxodo de cristãos do berço da cristandade, nem ser indiferentes às injustiças sofridas pelos “mais pequenos dos irmãos” de nosso Senhor (Mt 25,31-46). Não podemos ignorar os problemas de poluição, resíduos e mudança climática. Devemos agir como pacificadores (Mt 5,9), mostrar-nos como aqueles que têm fome e sede de justiça (Mt 5,6), e devemos nos comportar como bons administradores da criação (Gn 1,26).
Sua Santidade:
Com estes humildes pensamentos, desejamos expressar nossa fervorosa gratidão por Sua visita à nossa Cidade e à sua Igreja, e por Sua participação nestas solenes festividades. Que nossos santos e grandes fundadores e patronos —os santos, gloriosos e digníssimos apóstolos André, o Primeiro Chamado, e Pedro, o Coryphaeus— intercedam por todos nós perante Aquele a quem serviram e pregaram fielmente “até os confins do mundo”. Que continuem a inspirar-nos a todos com a amplitude de sua visão eclesial e com a firmeza de sua missão apostólica, para que possamos continuar nossa peregrinação comum em busca da unidade cristã e dar testemunho juntos para que o mundo creia que “encontramos o Messias”.
Mais uma vez, damos-lhe as boas-vindas, amadíssimo irmão em Cristo!
Texto originalmente publicado em inglês, pode vê-lo aqui
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