Durante o voo de regresso de Beirute a Roma, ao término da sua viagem apostólica ao Líbano, o papa Leão XIV manteve uma conferência de imprensa com os jornalistas que o acompanhavam no avião. Diante de mais de oitenta comunicadores, o Pontífice respondeu a perguntas sobre a situação no Oriente Médio, a guerra na Ucrânia, o papel da Europa nas negociações de paz, a crise na Venezuela e o apelo ao diálogo entre religiões, especialmente entre cristãos e muçulmanos.
Deixamos a seguir a transcrição completa das perguntas e respostas difundidas pela Vatican News:
Papa Leão XIV: Em primeiro lugar, quero agradecer a todos os que trabalharam tanto. Gostaria que transmitissem esta mensagem também aos outros jornalistas, tanto na Turquia como no Líbano, que trabalharam para comunicar as importantes mensagens desta viagem. Todos vocês também merecem uma forte salva de palmas por esta viagem.
Joe Farchakh (LBC International): O senhor é um Papa norte-americano que está a liderar um processo de paz. A minha pergunta é se utilizará os seus contactos com o presidente Donald Trump e com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. No avião disse que o Vaticano é amigo de Israel. Colocará a questão de parar a agressão de Israel contra o Líbano? É possível uma paz sustentável na região?
Papa Leão XIV: Em primeiro lugar, sim, creio que é possível uma paz sustentável. Creio que quando falamos de esperança, quando falamos de paz, quando olhamos para o futuro, o fazemos porque é possível que a paz volte a chegar à região e chegue ao seu país, o Líbano.
De facto, já mantive algumas conversas com alguns dos líderes dos países que mencionou e tenho a intenção de continuar a fazê-lo, pessoalmente ou através da Santa Sé, porque o facto é que temos relações diplomáticas com a maioria dos países da região e, sem dúvida, seria o nosso desejo continuar a elevar este apelo à paz de que falei no final da missa de hoje.
Imad Atrach (Sky News Arabia): No seu último discurso havia uma clara mensagem às autoridades libanesas para que negociassem. Negociar, dialogar, construir. Fará o Vaticano algo concreto neste sentido? Ontem à noite reuniu-se com um representante xiita. Antes da sua viagem, o Hezbolá enviou-lhe uma mensagem, não sei se a recebeu, se a leu. O que nos pode dizer a esse respeito? Muito obrigado por visitar o Líbano, era um sonho para nós.
Papa Leão XIV: Um aspeto desta viagem que não foi o motivo principal, porque a viagem surgiu pensando em questões ecuménicas, com o tema de Niceia, o encontro com os patriarcas católicos e ortodoxos e a busca da unidade na Igreja. Mas, de facto, durante esta viagem também tive encontros pessoais com representantes de diferentes grupos que representam autoridades políticas, pessoas ou grupos que têm algo a ver com os conflitos internos ou mesmo internacionais na região.
O nosso trabalho não é principalmente algo público que declaramos nas ruas, mas que se desenvolve um pouco nos bastidores. É algo que já fizemos e continuaremos a fazer para convencer as partes a deixarem as armas, a violência, e se sentarem juntas à mesa do diálogo. Buscar respostas e soluções que não sejam violentas, mas que possam ser mais eficazes.
(A mensagem do Hezbolá)
Sim, vi-a, evidentemente há uma proposta por parte da Igreja para que deixem as armas e busquemos o diálogo. Mas para além disto, prefiro não fazer comentários neste momento.
Cindy Wooden (CNS): Santo Padre, há uns meses disse que há muito a aprender para ser Papa. Quando chegou ontem a Harissa, com uma calorosa receção, tinha a expressão de alguém que diz: «Uau!». Pode dizer-nos o que está a aprender? O que é o mais difícil de aprender para ser Papa? E o senhor nunca nos disse nada sobre o que sentiu no conclave quando ficou claro o que estava a acontecer. Pode dizer-nos algo a esse respeito?
Papa Leão XIV: Bem, o meu primeiro comentário é que há apenas um ou dois anos eu também pensava em reformar-me algum dia. Evidentemente, o senhor recebeu este presente, enquanto alguns de nós continuarão a trabalhar (uma piada em referência ao facto de que a sua colega se reformará em dezembro, n.d.r.).
Quanto ao conclave, creio firmemente no segredo do conclave, embora saiba que houve entrevistas públicas em que se revelaram algumas coisas. No dia antes de ser eleito, disse a uma jornalista que me parou na rua que tinha ido almoçar com os agostinianos. E ela perguntou-me: “Tornou-se num dos candidatos! O que pensa a esse respeito?”. E eu simplesmente respondi: “Tudo está nas mãos de Deus”. E creio profundamente nisso.
Um de vocês, que é jornalista alemão, disse-me aqui no outro dia: “Diga-me um livro, além de Santo Agostinho, que possamos ler para entender quem é Prevost”. Há muitos, mas um deles é um livro que se chama A prática da presença de Deus.
É um livro muito simples, de alguém que nem sequer assina com o apelido, o irmão Lourenço, escrito há muitos anos. Mas descreve um tipo de oração e espiritualidade em que se entrega simplesmente a vida ao Senhor e permite que o Senhor o guie.
Se quiserem saber algo sobre mim, sobre o que tem sido a minha espiritualidade durante muitos anos, em meio a grandes desafios, vivendo no Peru durante os anos do terrorismo, sendo chamado ao serviço em lugares em que nunca pensei que seria chamado a servir. Confio em Deus e esta mensagem é algo que partilho com todas as pessoas.
Então, como foi? Rendi-me quando vi como as coisas iam e disse que isto poderia tornar-se realidade. Respirei fundo e disse: aqui estamos, Senhor, Tu és o chefe, Tu guias o caminho.
Não sei se disse “uau” ontem à noite (em Harissa). No sentido de que o meu rosto é muito expressivo, mas muitas vezes divirto-me com a forma como os jornalistas interpretam o meu rosto. É interessante, por vezes tiro grandes ideias de vocês, porque acreditam que podem ler os meus pensamentos ou o meu rosto. Nem sempre têm razão.
Estive no Jubileu dos jovens, havia mais de um milhão de jovens lá. Ontem à noite havia uma pequena multidão. Para mim, é sempre maravilhoso. Penso para mim mesmo: “Estas pessoas estão aqui porque querem ver o Papa”, mas depois digo-me: “Estão aqui porque querem ver a Jesus Cristo” e querem ver um mensageiro de paz, especialmente neste caso. Portanto, só sentir o seu entusiasmo e ouvir a sua resposta a essa mensagem é impressionante. Só espero não me cansar nunca de apreciar tudo o que estes jovens estão a mostrar.
Gian Guido Vecchi (Corriere della Sera): São horas de grande tensão entre a OTAN e a Rússia, fala-se de guerra híbrida, perspetivas de ciberataques e coisas do género. Vê o risco de uma escalada, de um conflito levado a cabo com novos meios como o denunciado pelos líderes da OTAN? E, neste clima, pode haver uma negociação para uma paz justa sem a Europa, que tem sido sistematicamente excluída pela presidência norte-americana nestes meses?
Papa Leão XIV: Este é um tema evidentemente importante para a paz no mundo, mas a Santa Sé não participa diretamente porque não somos membros da OTAN, nem de todos os diálogos mantidos até agora. Embora muitas vezes tenhamos pedido o cessar-fogo, o diálogo e não a guerra. E uma guerra com muitos aspetos, agora mesmo com o aumento das armas, toda a produção que há, os ciberataques, a energia.
Agora que chega o inverno, há um problema grave ali. É evidente que, por um lado, o presidente dos Estados Unidos acredita que pode promover um plano de paz que gostaria de levar a cabo e que, pelo menos num primeiro momento, não conta com a Europa. No entanto, a presença da Europa é importante e essa primeira proposta foi modificada também pelo que a Europa estava a dizer.
Concretamente, creio que o papel da Itália poderia ser muito importante. Cultural e historicamente, a Itália tem a capacidade de atuar como mediadora num conflito entre diferentes partes. Também Ucrânia, Rússia, Estados Unidos… Neste sentido, poderia sugerir que a Santa Sé fomente este tipo de mediação e que busquemos juntos uma solução que realmente possa oferecer paz, uma paz justa, neste caso na Ucrânia.
Elisabetta Piqué (La Nación): Obrigada, Santo Padre, por esta primeira viagem internacional, antes de mais nada. Depois, bem, a bandeira do Líbano tem as mesmas cores da bandeira do Peru. É um sinal de que se vai fazer esta viagem à América Latina, teoricamente na segunda metade do próximo ano junto a Argentina e Uruguai que ficaram pendentes? Não, fora de brincadeira, queríamos perguntar-lhe que viagens está a preparar para o ano que vem realmente. E depois, falando da América Latina, está a preocupar imenso, há muita tensão pelo que está a acontecer na Venezuela. Há um ultimato do Presidente Trump a Maduro para que se vá embora, para que deixe o poder, e uma ameaça de o derrubar com uma operação militar. Queríamos perguntar-lhe o que pensa a esse respeito. Obrigada.
Papa Leão XIV: Quanto às viagens, não há nada seguro, espero fazer uma viagem a África. Possivelmente será a próxima viagem.
Para onde?
África, África. Pessoalmente, espero ir à Argélia para visitar os lugares de Santo Agostinho, mas também para poder continuar o diálogo, a construção de pontes entre o mundo cristão e o mundo muçulmano. Já no passado, noutra ocasião, tive a oportunidade de falar sobre este tema.
É interessante, a figura de Santo Agostinho ajuda muito como ponte porque na Argélia é muito respeitado como filho da pátria. Esse é um. Depois, há algum outro país, mas estamos a trabalhar nisso. Evidentemente, gostaria muito de visitar a América Latina, Argentina e Uruguai, que estão à espera da visita do Papa. Peru, creio que me receberão, e se for ao Peru também muitos países vizinhos, mas o projeto ainda não está definido.
Sobre a Venezuela, ao nível da Conferência Episcopal, com o núncio, estamos a buscar maneiras para acalmar a situação, buscar sobretudo o bem do povo porque, muitas vezes, quem sofre nestas situações é o povo, não são as autoridades. As vozes que vêm dos Estados Unidos mudam e com certa frequência, por vezes, há que ver.
Por um lado, parece que houve uma conversa por telefone dos dois presidentes. Por outro lado, há esse perigo, essa possibilidade de que haja alguma atividade, alguma operação, mesmo invadindo território da Venezuela.
Eu não sei mais, eu novamente creio que é, digamos, melhor buscar maneiras de diálogo, talvez pressão, mesmo pressão económica, mas buscando outra maneira para mudar, se é o que decide fazer os Estados Unidos.
Mikail Corre (La Croix): Obrigado por esta viagem interessante. O senhor disse que há que continuar a tender pontes entre mundos diferentes. Gostaria de lhe perguntar: alguns católicos da Europa acreditam que o Islão é uma ameaça para a identidade cristã do Ocidente. Têm razão ou o que lhes diria o senhor?
Papa Leão XIV: Todas as conversas que mantive estes dias, tanto na Turquia como no Líbano, incluindo as que tive com vários muçulmanos, centraram-se no tema da paz e do respeito pelas pessoas de diferentes religiões. Sei que nem sempre foi assim.
Sei que na Europa há muitos medos, mas a maioria das vezes são gerados por pessoas que estão contra a imigração e que tentam manter fora as pessoas que podem vir de outro país, de outra religião, de outra raça. E neste sentido, gostaria de dizer que todos precisamos de trabalhar juntos.
Uma das coisas positivas desta viagem é ter chamado a atenção do mundo para a possibilidade de que o diálogo e a amizade entre muçulmanos e cristãos sejam possíveis. Creio que uma das grandes lições que o Líbano pode ensinar ao mundo é precisamente mostrar uma terra em que o islão e o cristianismo estão presentes e se respeitam mutuamente, e em que existe a possibilidade de conviver e ser amigos.
As histórias e os testemunhos que ouvimos nestes dois últimos dias são de pessoas que se ajudam umas às outras. Cristãos e muçulmanos, ambos viram destruídas as suas aldeias, por exemplo, e diziam-nos que podemos estar juntos e trabalhar juntos.
Creio que esta é uma lição importante que devemos ouvir na Europa e na América do Norte. Talvez devêssemos ter um pouco menos de medo e buscar formas de promover um diálogo autêntico e o respeito.
Anna Giordano (Ard Radio): A Igreja no Líbano também conta com o apoio da Igreja na Alemanha. Por exemplo, há algumas agências de ajuda alemãs ativas no Líbano. Do ponto de vista deste, é importante que a Igreja na Alemanha continue a ser uma Igreja forte. Como certamente sabe, há um caminho sinodal, Synodaler Weg, um processo de mudança da Igreja na Alemanha, que está a avançar. Acredita que este processo pode ser uma forma de fortalecer a Igreja ou é o contrário? E porquê?
Papa Leão XIV: O caminho sinodal não é o único na Alemanha, toda a Igreja celebrou um sínodo e a sinodalidade nos últimos anos. Há grandes semelhanças, mas também algumas diferenças marcadas entre como se levou a cabo o Synodaler Weg na Alemanha e como poderia continuar melhor na Igreja Universal.
Por um lado, gostaria de dizer que há espaço para o respeito da inculturação. O facto de que num lugar a sinodalidade se viva de uma maneira e noutro se viva de outra maneira não significa que tenha de haver uma rutura ou uma fratura. Creio que é muito importante recordar isto.
Ao mesmo tempo, receio que muitos católicos na Alemanha acreditam que certos aspetos do caminho sinodal celebrados até agora na Alemanha não representam as suas esperanças para a Igreja ou a sua forma de viver a Igreja.
Portanto, é necessário um maior diálogo e escuta dentro da própria Alemanha, para que nenhuma voz fique excluída, para que a voz dos mais poderosos não silencie a voz daqueles que podem ser muito numerosos, mas que não têm um lugar onde falar e ser ouvidos. Desta forma, garantir-se-á que as suas próprias vozes e expressões de participação na Igreja sejam ouvidas.
Ao mesmo tempo, como certamente sabem, o grupo de bispos alemães reuniu-se nos últimos anos com um grupo de cardeais da Cúria romana. Também ali se está a levar a cabo um processo para tentar garantir que o Caminho sinodal alemão não se afaste, por assim dizer, do que deve considerar-se um caminho da Igreja universal.
Estou seguro de que continuará. Creio que haverá alguns ajustes por ambas as partes na Alemanha, mas espero sinceramente que as coisas se resolvam de maneira positiva.
Rita El-Mounayer (Sat-7 International): Somos quatro canais cristãos diferentes de radiodifusão no Oriente Médio e no norte de África, dois em árabe, um em farsi e outro em turco. Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por dedicar o seu tempo ao povo libanês. Eu própria sou filha da guerra e sei o que significa receber um abraço de Vossa Santidade, uma palmada nas costas e que lhe digam que tudo vai correr bem. O que me impressionou é o seu lema In Illo Uno Unum. Este lema fala de tender pontes entre as diferentes confissões cristãs, entre as religiões e mesmo entre vizinhos, o que por vezes pode ser um pouco difícil. Do seu ponto de vista, que dom único pode oferecer a Igreja no Oriente Médio —com todas as suas lágrimas, as suas feridas, os seus desafios e a sua história passada— à Igreja no Ocidente e ao mundo?
Papa Leão XIV: Gostaria de começar dizendo que hoje em dia as pessoas cresceram numa sociedade muito individualista. Os jovens, que passaram muito tempo (diante do computador, n.d.r.) durante a pandemia da Covid e que muitas vezes têm relações pessoais muito isoladas, porque só se comunicam através de ecrãs de computador ou telemóveis, por vezes perguntam-se: “Porquê deveríamos querer ser um? Eu sou um indivíduo e não me interessam os outros”.
E creio que aqui há uma mensagem muito importante a transmitir a todas as pessoas: a unidade, a amizade, as relações humanas, a comunhão são extremamente importantes e extremamente valiosas. Se não por outra coisa, pelo exemplo que citou de alguém que viveu a guerra ou sofreu e está a sofrer, o que pode significar para ele um abraço. Essa expressão muito humana, real e saudável de cuidado pessoal para curar o coração de outra pessoa.
A nível pessoal, isto pode tornar-se num nível comunitário que nos une a todos e nos ajuda a compreender-nos e respeitarmo-nos mutuamente, indo muito para além do simples: “Tu mantém-te afastado, eu fico aqui, tu ficas ali e não interajamos”. Significa, em vez disso, construir relações que enriqueçam todas as pessoas.
Com esta mensagem, sem dúvida, o meu lema é graças a Cristo in Illo é “em Cristo, que é um, todos somos um”. Mas não é só para os cristãos.
Na realidade, é um convite a todos nós e aos outros para dizer que quanto mais conseguirmos promover a autêntica unidade e compreensão, o respeito e as relações humanas de amizade e diálogo no mundo, maior será a possibilidade de que deixemos de lado as armas da guerra, que deixemos de lado a desconfiança, o ódio e a animosidade que tão frequentemente se desenvolveram, e que encontraremos a maneira de nos unirmos e promover a autêntica paz e justiça em todo o mundo.
Boa viagem a todos e obrigado a todos.
