O escritor e especialista em música sacra Peter Kwasniewski, uma das vozes mais conhecidas na defesa da liturgia tradicional, publicou uma extensa análise sobre a situação atual da Missa tradicional em latim (TLM) e os motivos que, a seu juízo, explicam as restrições que continuam afetando essas comunidades. Sua reflexão aparece em um momento marcado por rumores de uma guinada pastoral sob o pontificado de Leão XIV, que poderia flexibilizar as condições impostas por Traditionis Custodes. Embora não haja confirmação oficial, esses comentários —como lembra o próprio autor— não modificam a realidade jurídica vigente: a continuidade da Missa tradicional continua dependendo, em última instância, de cada bispo diocesano. Esse cenário, observa, mantém uma fragilidade ainda maior do que a que existia com o indulto de 1988 e permite que bispos contrários ao rito antigo continuem fechando comunidades, como ocorreu recentemente em diversas dioceses americanas.
Uma pergunta central: por que se restringe um rito vivo e fértil
Kwasniewski parte de uma inquietação que ele mesmo diz ter experimentado durante anos: por que a hierarquia eclesial —ou pelo menos uma parte influente dela— parece mostrar-se hostil em relação àqueles católicos que considera entre os mais praticantes e fiéis. Para ele, a pergunta brota de um fato difícil de ignorar: as comunidades que celebram a Missa tradicional costumam ser jovens, numerosas, comprometidas e geradoras de vocações. No entanto, longe de serem valorizadas por sua vitalidade, veem-se com frequência submetidas a medidas restritivas. A aparente contradição leva o autor a formular uma tese dura e polêmica: em sua opinião, essas comunidades sofrem pressões precisamente por sua fidelidade, porque sua fecundidade espiritual resulta incômoda para certos setores eclesiais que não compartilham sua visão da fé nem da liturgia.
Uma tensão entre tradição e modernidade eclesial
O autor enquadra esse conflito no que considera um choque profundo de concepções sobre a Igreja. Segundo sua interpretação, grande parte da hostilidade frente à TLM provém de correntes eclesiais que, há décadas, buscam reformular a doutrina, a moral e a liturgia em um sentido mais afim à cultura contemporânea. Diante dessa tendência, as comunidades tradicionais enfatizam a continuidade doutrinal, a solenidade litúrgica e a clareza moral.
Kwasniewski vê aqui uma oposição frontal: enquanto a liturgia tradicional sustenta —em sua visão— um modo de viver a fé que preserva o depósito recebido, setores modernizadores estariam impulsionando uma adaptação profunda que dilui a identidade católica. Para ele, a Missa tradicional encarna uma resistência visível e teologicamente fundamentada a esse processo. Por isso, argumenta que, longe de ser um simples desacordo litúrgico, o que subjaz é um choque com consequências doutrinais e espirituais de maior alcance.
Traditionis Custodes e suas consequências práticas
A análise de Kwasniewski revisa também as repercussões de Traditionis Custodes e dos documentos posteriores que têm regulado sua aplicação. Segundo o autor, as limitações ao uso da TLM provocaram o fechamento de comunidades, a redução de lugares de culto e um aumento considerável da incerteza pastoral. A seu juízo, embora possa haver flexibilizações informais em algumas dioceses, as linhas mestras do documento permanecem e sustentam uma visão teológica —que ele considera gravemente errônea— sobre a relação entre os dois missais. Essa visão, afirma, continua operativa e mantém uma pressão constante sobre aqueles que celebram ou assistem ao rito tradicional.
Kwasniewski sublinha que, apesar dos bons resultados pastorais dessas comunidades, tais restrições justificam-se apelando a argumentos que, desde sua perspectiva, não se aplicam com o mesmo rigor a práticas ou correntes que contradizem ensinamentos muito mais centrais da Igreja. Para ele, é notável que se atue com severidade ante um rito “de provada ortodoxia” enquanto se toleram atitudes e práticas abertamente contrárias ao magistério em outros âmbitos.
Uma leitura espiritual da crise
Além de suas críticas institucionais, Kwasniewski interpreta a situação a partir de uma chave espiritual mais ampla, que enquadra no “mysterium iniquitatis” mencionado por São Paulo. Segundo expõe, a Igreja atravessa uma das épocas mais sombrias de sua história recente no que se refere à clareza doutrinal, moralidade clerical e estabilidade litúrgica. No entanto, sustenta que essa situação, por dolorosa que seja, não contradiz a promessa de Cristo sobre a indefectibilidade da Igreja.
O autor recorda que, para a fé católica, a indefectibilidade não implica épocas livres de crises ou confusão, mas a garantia de que a fé verdadeira e os sacramentos seguirão acessíveis para aqueles que permanecerem fiéis. Nesse sentido, considera que a Missa tradicional e a espiritualidade que a acompanha são uma manifestação dessa continuidade que Deus preserva mesmo em tempos de grande desordem interna.
A tradição como semente de renovação
Kwasniewski estende seu olhar para a história, onde encontra precedentes de decadência e recuperação. Afirma que Deus pode permitir períodos prolongados de escuridão, nos quais partes da Igreja local se enfraquecem ou até desaparecem, como ocorreu em regiões outrora cristãs. Mas insiste em que a tradição litúrgica —em especial a romana— demonstrou uma extraordinária capacidade de resistência e ressurgimento. Para ele, essa continuidade não é apenas uma realidade histórica, mas uma promessa implícita: a liturgia que formou santos durante séculos continuará produzindo frutos, ainda que seja marginalizada temporariamente.
O autor conclui afirmando que as correntes contrárias à tradição acabarão enfraquecendo-se por sua própria inconsistência, enquanto a fidelidade à fé perene perdurará. A seu juízo, a Missa tradicional não desaparecerá porque representa uma expressão sólida da fé católica que, mesmo em tempos de escuridão, conserva sua força e sua capacidade de transformar almas.
