Ante a publicação da Nota do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre alguns títulos marianos, que afirma que o título de Corredentora resulta “inoportuno” no momento presente, não pretendo discutir, porque a Santíssima Virgem não precisa de controvérsias; mas sim compartilhar certa estranheza.
A nota, aprovada pelo Santo Padre, me parece bastante aceitável quanto à sua metodologia e aos argumentos expostos, embora me incomode que retenha inoportuno um título mariano nascido do amor, não da confusão. A Igreja jamais empregou o termo Corredentora para colocar Maria no mesmo nível que Cristo, único Redentor, mas para confessar simultaneamente duas verdades luminosas: que Cristo é o único Salvador e que a Virgem, por vontade divina, foi associada de modo singular e único à obra redentora. Chamá-la Corredentora não diminui Cristo: exalta a eficácia de sua Redenção e ajuda a contemplar com assombro até onde pode chegar a graça em uma criatura que se deixa possuir plenamente por Deus. Por isso tantos santos, teólogos e pontífices falaram deste título com amor e fineza teológica. ¿Há que desaconselhá-lo hoje? Francamente, não sei. Mas, concedo: possivelmente sim. Item mais: acaso adoleça de puerilidade a sensação de que isso empobrece o amor filial a Maria. No entanto… ¿é isso o mais “inoportuno” que há que assinalar hoje? ¿Não houve outros fatos e decisões muito mais desconcertantes nos últimos anos? Aduzamos só alguns dos mais salientes:
1. A palavra corredentora não ofende ninguém. Sim o faz chamar “contador de rosários”, “pepino em vinagre” ou “rígido” a quem vive com devoção sua fé ou ama a tradição litúrgica.
2. Não poucos nomeamentos episcopais e de governo na Santa Sé, a priori preocupantes pela trajetória doutrinal e/ou pastoral dos eleitos, e a posteriori, lamentáveis.
3. A homenagem na Sala Paulo VI do Vaticano a Lutero, o heresiarca que originou a ruptura mais dolorosa na cristandade.
4. A presença ritualizada e veneração da Pachamama no Vaticano, idolatria incompatível com o culto devido ao único Deus Uno e Trino.
5. A restrição da liturgia tradicional (fonte de santidade para gerações de fiéis de ontem e de hoje), falseando os argumentos sobre os quais se fez.
6. A gestão eclesial durante a pandemia, fechando os templos durante meses, privando os fiéis dos sacramentos e impondo a comunhão na mão.
7. A Declaração de Abu Dhabi, interpretável como uma certa equiparação de todas as religiões como caminhos semelhantes para Deus, debilitando assim a evangelização.
8. A admissão de quem vive objetivamente em adultério à Sagrada Comunhão, apresentando o estado de graça de maneira gradual.
9. Os acordos com o governo de Pequim sobre o nomeamento de bispos, deixando a numerosos católicos chineses —perseguidos durante décadas por fidelidade a Roma— profundamente desolados, ao sentir que se cedia parte da liberdade da Igreja a um poder hostil à fé.
10. A Declaração Fiducia supplicans, percebida por inumeráveis fiéis e pastores como gravíssima, ao exortar a bendizer situações objetivamente contrárias à Lei de Deus, derivadas de “pecados que clamam ao céu”, segundo a Sagrada Escritura.
Muitos católicos teriam esperado uma palavra clara sobre qualquer uma destas situações antes que um aviso respecto a um título mariano tão amado pelo Povo de Deus. Porque Maria nunca divide: sempre conduz a Cristo. A história ensina que cada vez que a Igreja aprofundou nos privilégios de Maria, o fez para proclamar com mais força a verdade sobre Cristo. A autêntica mariologia jamais obscurece Cristo; ao contrário, o revela mais puramente.
¿Que aproveita agora reduzir ou desaconselhar expressões marianas que tantos santos usaram para ir ao Único Salvador e Redentor?
Os fiéis precisam de pastores que confirmem na fé e consolem na confusão. Hoje, quando tantos não creem já no pecado nem no inferno, na graça santificante, na Presença real de Cristo na Eucaristia, ou na vida eterna, ¿o imediato é assinalar a inoportunidade do título de Corredentora?
Maria sempre protegeu a Igreja. Peçamos-Lhe hoje esta graça, como a Mater Ecclesiæ. ¿Corredentora ou Medianera? Neste momento não me preocupa demais que ambas as palavras sejam mais ou menos oportunas; me inquietaria que fossem heréticas, ou néscia, que é ainda pior, como as que escutamos com demasiada frequência, sem que sejam corrigidas.
