O 31 de outubro de 1942, no dramático contexto da Segunda Guerra Mundial, o Papa Pio XII pronunciou uma das orações mais transcendentes de seu pontificado: a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Por meio de uma mensagem radiofônica dirigida a Portugal por ocasião do 25.º aniversário das aparições de Fátima, o Santo Padre respondeu finalmente ao chamado que a Virgem havia feito aos pastorzinhos em 1917.
Era o ano em que os exércitos totalitários assolavam a Europa e o mundo vivia entre ruínas e desespero. Nesse cenário, Pio XII elevou sua voz de Roma para recordar que a esperança cristã não morre, porque está ancorada em Deus e confiada ao Coração materno de Maria.
“A ti, a teu Coração Imaculado, confiamos, entregamos e consagramos o mundo”
Em sua oração, o Papa Eugenio Pacelli dirigiu à Virgem palavras que ainda ressoam com força profética: “A ti, a teu Coração Imaculado, confiamos, entregamos e consagramos não só a Santa Igreja, Corpo místico de teu Filho, mas também todo o mundo, dilacerado por feroces discórdias”.
Com esta fórmula, pronunciada desde a Basílica de São Pedro e transmitida por rádio a Fátima, o Pontífice colocou a humanidade sob o amparo da Virgem Maria, pedindo sua intercessão para obter a paz e a conversão dos corações. Embora o ato não mencionasse expressamente a Rússia —como havia pedido Nossa Senhora—, foi o primeiro passo decisivo em direção ao cumprimento daquela solicitação celestial.
Fátima e a promessa da paz
Segundo o testemunho de Lucia dos Santos, a única vidente sobrevivente de Fátima naquele momento, o céu acolheu com agrado o gesto do Papa. Em uma carta dirigida ao então secretário de Estado, o cardeal Luigi Maglione, irmã Lucia afirmou que Deus “prometia encurtar os dias de guerra” como sinal de benevolência ante a consagração.
Dois anos depois, em 1944, o Papa Pio XII consagrou além disso toda a humanidade ao Coração Imaculado de Maria, e em 1952, com a carta apostólica Sacro Vergente Anno, consagrou especificamente os povos da Rússia, cumprindo assim mais plenamente o pedido da Virgem. Essas decisões confirmaram seu profundo vínculo espiritual com a mensagem de Fátima e sua confiança total na mediação maternal de Maria.
O Papa de Fátima
O pontificado de Pio XII (1939–1958) ficou marcado por essa dimensão mariana. Foi ele quem instituiu em 1944 a Festa do Imaculado Coração de Maria para toda a Igreja e quem, em 1950, proclamou solenemente o dogma da Assunção da Santíssima Virgem. Sua devoção ao Rosário e à Virgem de Fátima foi constante, ao ponto de ser conhecido como “o Papa de Fátima”.
Durante os anos do pós-guerra, o Pontífice insistiu em que a verdadeira reconstrução do mundo só seria possível se as nações retornassem a Deus e confiassem no poder do Coração Imaculado. “Neste refúgio encontrarão salvação os povos e as almas”, dizia.
Uma consagração ainda atual
Oitenta e três anos depois, o eco daquele ato continua sendo atual. Em um mundo novamente abalado por guerras, violência e apostasia, a consagração de Pio XII recorda que não há paz sem conversão, nem conversão sem oração. A história mostra que quando os homens se afastam de Deus, o mal se impõe; mas quando voltam a Ele por meio de Maria, a graça se derrama com força.
Em tempos de confusão espiritual e crise moral, aquele gesto do Papa Pacelli brilha como um farol. Sua oração foi uma proclamação de fé frente ao caos, um ato de esperança frente ao poder destrutivo do ódio e um testemunho de amor filial para com a Mãe de Deus.
Talvez por isso, sua voz do 31 de outubro de 1942 continue ressoando hoje com a mesma urgência: “Rainha do Santíssimo Rosário, refúgio do gênero humano, vencedora de todas as batalhas de Deus… acolhe este mundo destroçado e traze-o de novo a Cristo”.
Oração de consagração de Pio XII (31 de outubro de 1942)
“Rainha do Santíssimo Rosário, auxílio dos cristãos, refúgio do gênero humano, vencedora de todas as batalhas de Deus, a Ti, a Teu Coração Imaculado, confiamos, entregamos e consagramos não só a Santa Igreja, Corpo Místico de teu Filho, mas também o mundo inteiro, dilacerado pelas discórdias, abrasado pelo ódio, vítima da própria iniquidade.
Faze-nos sentir tua misericordiosa proteção; afasta-nos de todo erro; dirige nossos passos com amor maternal; concede a paz ao mundo; faze que teu amor reine nos corações dos homens, nas famílias e nas nações.
E, finalmente, mostra-nos a Jesus, fruto bendito de teu ventre, quem com o Pai e o Espírito Santo vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.”